segunda-feira, 12 de fevereiro de 2007

Memórias de uma Noite Qualquer

Memórias de uma noite qualquer

Ando olhando pros lados. Pessoas se amontoam pelos cantos, parecendo procurar por algo. Eu mesmo devo estar procurando por algo, mas não sei bem o quê. Isso não importa, afinal, são duas da madrugada, e tudo que consigo ouvir é o barulho distante, mas presente de alguma banda ruim junto ao burburinho da massa.
Estou no meio de um grande festival de música em alguma cidade do interior do estado. Vejo uma quantidade enorme de gente pobre e rica. Em contrapartida, os primeiros não parecem estar se divertindo, mas sim tentando arrumar algum trocado vendendo bebidas e comidas de quinta categoria com alguma margem de lucro. Vendendo “felicidade instantânea”, é o que parece. Ao menos para quem compra.
Estes compradores são os que mais me chamam a atenção. Andam sempre em grupo, falam alto, parecem demonstrar alguma alegria em seus rostos. Não é possível saber a que ponto é verdadeira essa tal “alegria”. Talvez provocada pela bebida superfaturada vendida pelo senhor de barba suja e boné de posto. O comprador, por sua vez muito bem barbeado, vestindo camisa e boné de aparência cara, conclui a negociação demonstrando certo desprezo. De fato, algumas horas depois este mesmo indivíduo vai estar em alguma rodinha de amigos, rindo de alguma piada racista ou etnocêntrica.
Entro no espaço reservado para o evento. Vejo um mar de cabeças. O som de má qualidade está muito mais irritante que antes. Observo as almas ao redor. Mulheres se amontoam em filas e discutem para usar o banheiro, latas e garrafas encalhadas às pilhas no chão, muitos dos pagantes vomitando o excesso de etanol em seus corpos.
Chego perto de um grupo de jovens. Visivelmente bêbados, alguns se aproveitam da sexualidade à flor da pele, no ritmo da dança sensual. Outros conversam sobre telenovelas, roupas de marca, celulares e pasmem, a quantidade que ingerem de certa substância (aparentemente ilegal) que infla sua massa corpórea. Percebo também a grande disparidade entre o tamanho de seus corpos e de seus intelectos.
Sinto-me enojado no ambiente. Percebo a ignorância dissimulada, o conservador misturado com o pseudo-liberal, a alienação e a decadência, as contradições de uma sociedade materializadas no que deveria ser a suposta “celebração da vida”.
Excedo-me e procuro a salvação mais próxima: a barraquinha de coquetéis. Duas horas depois, a alta concentração de venenos me embaça a visão dos olhos e da mente. Estranhamente, desenvolvo solitário a melhor das filosofias ébrias. Cambaleio atrás de um oásis de razão em meio ao deserto de lixo aos meus pés. Procuro uma superfície mais ou menos limpa onde possa me encostar, e o faço. Congelo meus pensamentos e mergulho no melhor dos sonos que Hypnos poderia me dar.
E isso para apenas acordar e assistir ao fim do espetáculo do denegrimento enquanto o sol desponta num céu azul-bebê. Levanto-me e caminho, a olhar para os lados da mesma forma que quando cheguei a este espaço.
Reparo na multidão deixando o recinto, nas mulheres e homens recostados de forma semelhante a que eu estava, e do princípio de ressaca que sinto, provavelmente acompanhado por meus colegas ao redor. Cansado, um último lapso analítico me vêm à cabeça. Enquanto a mente entra em equilíbrio com o meio, observo a juventude burguesa.
No ponto de ônibus, o impulso de agir é iminente. Chego em casa, como e durmo, mas não antes de gravar em papel as memórias desta noite.
As palavras contidas nesta folha são fruto deste impulso. Não peço nada mais que alguns minutos de seu tempo para refletir um pouco sobre este mesmo pedaço de papel, que virá a se degradar. A idéia, portanto, se viva dentro das mentes dos homens, não tem prazo de validade.


Leonardo Trevas

3 comentários:

Unknown disse...

Leo realmente vc teve inumeras revelaçoes esta noite passeou por mundos a qual a sociedade se esconde e no final acabando se perdendo nela, é engraçado como somos falhos, mas o importante eh que vc teve uma visao muito ampla da sociedade que nos cerca ...

andré barreto disse...

É, meu caro, acho qu sei bem onde você estava, penso que desfrutava da minha companhia (me corrija caso eu esteja errado), acho que compartilhamos também o mesmo sentimento de criticidade acerca daquilo tudo.
Sim, era tudo aparências, pura constatação prática do que é o "espetáculo" na nossa sociedade pós-moderna. Ali "parecer" era o que importava, sua inclusão se dava naquele meio de acordo com as marcas e roupas que você consome. A sociedade não esconde essa "máscara, pelo contrário esse é o padrão divulgado em todos os meios sociais, mesmo aos que aspiram um dia estar ali e nunca conseguiram "vencer" no jogo do alpinismo social, é o padrão de felicidade divulgado na mídia, uma felicidade baseada em aparências, uma felicidade individual, efêmera.

Anônimo disse...

Adoro esse texto!
É um parâmetro perfeito da nossa juventude corrompida pelo modismo e pela alienação.
A situação é tão crítica que não só a pequena “burguesia” desfruta desse mundinho de futilidade. Os jovens ditos “pobres” são atraídos por esse mundo aparentemente glamuroso e acabam por tomar caminhos pouco convencionais. Culpa de uma falta de empreendimentos socioeconômicos para melhorar a vida e o intelecto de todos os jovens tomados pelo conformismo!

Beijos!
chu
shake shake..hhuhuhuhuh

P.S.:Tb tow com um blog...^^